quinta-feira, 13 de janeiro de 2011


Olhe, não fique assim não, vai passar. Eu sei que dói. É horrível. Eu sei que parece que você não vai agüentar, mas aguenta. Sei que parece que vai explodir, mas não explode. Sei que dá vontade de abrir um zíper nas costas e sair do corpo porque dentro da gente, nesse momento, não é um bom lugar para se estar. (Fernando Pessoa escreveu, num momento parecido, "hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu"). Dor é assim mesmo, arde, depois passa. Que bom. Aliás, a vida é assim: arde, depois passa. Que pena. A gente acha que não vai agüentar, mas agüenta: as dores da vida. Pense assim: agora tá insuportável, agora você queria abrir o zíper, sair do corpo, encarnar numa samambaia, virar um paralelepípedo ou qualquer coisa inanimada, anestesiada, silenciosa. Mas agora já passou. Agora já é dez segundos depois da frase passada. Sua dor já é dez segundos menor do que duas linhas atrás.

Você acha que não, porque esperar a dor passar é como olhar um transatlântico no horizonte estando na praia. Ele parece parado, mas aí você desvia o olho, toma um picolé, lê uma revista, dá um pulo no mar e quando vai ver o barco já tá lá longe. A sua dor agora, essa fogueira na sua barriga, essa sensação de que pegaram sua traquéia e seu estômago e torceram como uma toalha molhada, isso tudo – é difícil de acreditar, eu sei – vai virar só uma memória, um pequeno ponto negro diluído num imenso mar de memórias. Levante-se daí, vá tomar um picolé, ler uma revista, dar um pulo no mar. Quando você for ver, passou.

Agora não dá mesmo pra ser feliz. É impossível. Mas quem disse que a gente deve ser feliz sempre? Isso é bobagem. Como cantou Vinícius: "É melhor viver do que ser feliz". Porque pra viver de verdade a gente tem que quebrar a cara. Tem que tentar e não conseguir. Achar que vai dar e ver que não deu. Querer muito e não alcançar. Ter e perder.

Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e dizer uma coisa terrível, mas que tem que ser dita. Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e ouvir uma coisa terrível, que tem que ser ouvida. A vida é incontornável. A gente perde, leva porrada, é passado pra trás, cai. Dói, ai, eu sei como dói. Mas passa.

Tá vendo a felicidade ali na frente? Não, você não tá vendo, porque tem uma montanha de dor na frente. Continue andando. Você vai subir, vai sentir frio lá em cima, cansaço. Vai querer desistir, mas não vai desistir, porque você é forte e porque depois do topo a montanha começa a diminuir e o unico jeito de deixá-la pra trás é continuar andando.
Você vai ser feliz

Tá vendo essa dor que agora samba no seu peito de salto de agulha? Você ainda vai olhá-la no fundo dos olhos e rir da cara dela. Juro que tô falando a verdade. Eu não minto. Vai passar.


Escrito por: Antônio Prada.
Achei foda demais, e postei.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Perdoe-me por estar errada


Seus olhos negros tiravam minha concentração, eu não conseguia terminar de arrumar as roupas na mala enquanto ele me fitava daquele jeito acusador. Eu não tinha culpa, era uma viagem de trabalho e se eu não fosse, perderia o emprego. Antes tivesse ouvido Matt.
— Algo está errado Andie, eu posso sentir. – Matt era muito supersticioso, mas dessa vez ele estava completamente certo, e eu odeio admitir isso. Por minha culpa, agora ele está chorando. Eu posso o ver daqui. Posso ver seus olhos sem o brilho de anteontem de manhã, seu sorriso sem a felicidade estampada, e as lágrimas que cortavam sua linda pele. Mas como eu sou teimosa, fui do mesmo jeito, não podia perder um emprego tão bom como aquele.
Terminei de arrumar as malas às 13:30h. Meu avião partiria às 15:00h, então Matt não poderia me acompanhar até o aeroporto, pois Geovanna – nossa linda filha, fruto desse lindo amor – chegaria da escolinha. Eu não poderia me despedir dela, então deixei um presente, uma boneca para ser exata, pois era o que ela mais gostava. Me despedi de Matt e então parti. Às 14:00h eu já estava no carro, rumando para meu ponto de partida – aonde eu nunca chegaria.
Ao parar em um semáforo, senti um arrepio e então um homem de preto parou ao lado do carro, com uma arma apontada para mim. A primeira coisa que veio à minha cabeça foi Geovanna e Matt.

— Saia do carro, agora, ou eu vou atirar! – O homem gritava com uma voz rouca. Saí do carro, com o pensamento em minha família. Pensei que o pesadelo acabaria logo, mas mais uma vez eu estava errada. O homem não estava sozinho. Seu companheiro me agarrou e me jogou no banco de trás do meu próprio carro, e sentou do meu lado, me deixando sob a mira de sua arma, enquanto o primeiro cara dirigia à toda, furando todos os sinais e quebrando todas as regras.
Fui vendada, então não sei direito aonde estive. Só sei que eu não gostaria de ter estado ali. Havia ratos e baratas por todo canto, eu sentia eles passarem sobre meus pés amarrados à cadeira. Então o pano que tapava meus olhos, foi removido, e uma luz forte me fez ficar desnorteada. Logo, tudo entrou em foco, e pude ver um par de olhos – tristes – me observando.
— Você é feliz? – Tentei falar, mas eu tinha sido amordaçada, então balancei a cabeça afirmativamente.

— E para conseguir tal fato você precisou destruir uma vida, certo? – Fiquei confusa, “destruir uma vida”? O que ela queria dizer com isso? Balancei negativamente a cabeça.

— ERRADO! – Senti uma pancada por trás da minha cabeça, e tudo escureceu.

Após algum tempo, eu acordei, e eu estava livre...? Olhei ao meu redor, e não avistei ninguém. Espere! Havia algo jogado dentro da lata de lixo, beirando à rua, pois ela não fechava direito. Era um beco, onde ratos e baratas faziam a festa. Mas eles não podiam mais me tocar... eles passavam através de mim. Examinei a lata. Havia sangue escorrendo, algumas moscas e um cheiro desagradável. Levei a mão para abrir a lata, mas ouvi um barulho, então um cara vestido com uma roupa laranjada entrou no beco e pegou a lata.

— Nossa, que pesada... jogaram o quê será aqui, chumbo? – Então ele saiu do beco em direção ao caminhão de lixo, e eu corri atrás dele. Ele virou a lata dentro do caminhão, foi quando ele arregalou os olhos e ficou paralisado. Parecia que ele tinha sido congelado no lugar.

— Doug, o que houve? – O motorista do caminhão gritou, olhando pelo retrovisor, mas sem sucesso, não obteve resposta. Ele desceu do caminhão e foi ver o que havia de errado. Chegando lá, ao olhar para a lata caída no chão, viu o sangue, e com medo, olhou para dentro do caminhão. O que ele viu, o fez vomitar, e Doug o acompanhou. Algum tempo depois, as sirenes se aproximavam, e eu vi me corpo ser levado pela perícia.

Agora estou aqui, no meu enterro. E o que eu mais temia, acabou acontecendo: eu estava errada, e isso custou a alegria de toda minha família. Estou condenada a uma vida – ou devo dizer morte? – de infortúnios na Terra. Prometo não trazer mais tristeza à vocês, meus amados. Pude perceber que Geovanna segurava a boneca que eu havia lhe deixado, enquanto as lágrimas incontroláveis desciam de seus olhinhos. Aquilo mexeu comigo profundamente. Se haver alguma forma de um espírito condenado morrer, eu o farei. Farei o possível e o impossível. Perdoem-me, meus amados. Adeus.

Escolhas


Ele abriu os olhos lentamente, o vinco se formando em sua testa indicava que ele estava confuso e não devia se lembrar de muita coisa. Ele se levantou com calma e olhou para suas mãos, que estavam translúcidas. Havia muitas pessoas ao seu redor, mas elas não olhavam para ele... olhavam para algo no chão, atrás dele. Seus olhos encontraram os meus, e por um segundo pude até ouvir as batidas do seu coração, que já não batia. Sua pele translúcida, seus cabelos sem a cor viva de antes e seus olhos totalmente sem brilho me imploravam para uma explicação. Apontei para o corpo que jazia no chão, atrás dele. Quando ele olhou e reconheceu quem era, parecia que tinha sido congelado. Aproximei-me dele com cuidado.
— O que... que aconteceu... comigo? – Gaguejou ele com a voz rouca, segurando o pânico para si mesmo.

— Você morreu meu querido. – Respondi da melhor forma que encontrei, e então pude ver as lágrimas rolando por sua face rígida. – Mas pode voltar a viver, se quiser.
— Você é Deus? – O vinco novamente se formou em sua testa. E eu ri. Garoto inocente. – Quem é você?

— Sou tudo, menos Deus. Eu nunca seria tão idiota. – As lágrimas secaram em seu rosto, ele olhava para o chão. – Você só tem que fazer uma escolha.

— Qual? – Percebi que ele achou tentadora a idéia de voltar a viver com apenas uma escolha.

— Escolha alguém para morrer no seu lugar. Simples. – Ele arregalou os olhos, mas começou a olhar à sua volta.
Seu olhar pairou sobre o mendigo passando fome, frio e medo na rua. “Ele não faria falta para ninguém”, pude ler seus pensamentos mesmo não tendo esse dom. Mas após algum tempo, seu olhar desviou-se para uma senhora que parecia já estar à beira da morte, pois tinha uma expressão triste ou de dor, e andava com dificuldade, e estava sozinha. Mas também não lhe interessou. Vi seu olhar então pousar sobre um cão velho e sarnento, de tão magro, as costelas quase lhe furavam a pele. E então ele olhou para mim.

— Decidiu-se meu jovem?
— Sim.

— Então quem ao nosso redor morrerá no seu lugar? – Perguntei, curioso.

— Ninguém.

— Se você não escolher ninguém, estará condenado à uma morte eterna no inferno.

— Não se preocupe, eu não irei para o inferno. Eu não morrerei. – Isso me deixou realmente confuso.

— Então quem morrerá?

— Você. – Soltei minha gargalhada mais escandalosa.

— Tolinho, eu não posso morrer, pois eu já estou morto!

— Seu corpo está morto. Seu espírito ainda está vivo. Eu quero que seu espírito morra no meu lugar.

— Você não pode fazer isso! – Senti uma leveza extraordinariamente incrível dominar-me.

— Olhe você mesmo. – Tentei segura-lo pelo braço, mas minha mão atravessou-o. Eu estava desaparecendo.


O garoto deitou-se novamente sobre seu corpo ensangüentado, enquanto os paramédicos chegavam. O demônio desaparecia, sufocando seu grito desesperador, os olhos esbugalhados, inconformado por ter sido enganado.
O corpo do garoto ao chão mexeu-se levemente, e então ele abriu apenas uma fresta de suas pálpebras e pôde ver a última coisa a desaparecer do demônio: o coração cinza, congelado e morto.
— É um milagre!! – Alguém exclamou no meio da multidão.