quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Vilão sem herói.



Minha mão ardia enquanto eu lhe socava o rosto, concentrando toda a minha raiva na força em que eu depositava contra sua linda pele. O sangue lhe escorria pela boca e pelas narinas. Ele já não reagia. Finalmente eu iria vencer, pela primeira vez na história da cidade, o mal venceria o bem. Quando enfim saí do meu transe, eu segurava o corpo sem vida do super herói. Olhares amedrontados me acompanharam enquanto eu voava e dava vivas a caminho do meu esconderijo – que finalmente não precisaria mais ser secreto, sem nenhum herói para interromper meus planos de dominar a cidade.

A riqueza, a comida, as mulheres, a “falsa felicidade”. Eu já não conseguia dormir e relaxar. Não conseguia comer um pêssego e saboreá-lo. Eu não estava completo. Eu estava sem equilíbrio. Eu não via mais graça em viver naquela cidade.

Minha pequena mala amarela foi o suficiente para guardar o que eu levaria comigo. Eu iria em busca da minha própria salvadora, da minha heroína.

Kriptonita



Como é bom voltar a sentir a sensação de que meu estômago está sendo invadido por borboletas. Justo eu, que pensei que havia matado a todas que um dia estiveram ali. O conforto com um simples olhar, uma palavra dita no momento certo, um sorriso que ilumina. Ao deitar a noite na minha cama, fechar os olhos e lembrar do dia ao seu lado, enquanto um discreto e singelo sorriso toma formas em minha face, trazendo meus sentimentos à mostra para a escuridão do meu quarto.
Esquecer dos problemas, das discussões. Entrar em um outro mundo, uma outra dimensão quando estou ao seu lado. Deixar de lado todas as preocupações. Me importar somente com você. Talvez até mesmo só exista apenas nós dois no mundo inteiro, e temos ele somente para nós.
O assunto flui como o vôo plano de uma coruja, tomando toda minha atenção. O tempo rouba as horas de mim, e a brisa trás seu cheiro até mim, entrando por minhas narinas e permanecendo intacto no meu cérebro, trazendo a saudade logo após o beijo de despedida.
A perda de forças nas pernas, suspiros. Minha kriptonita.

Todos os cães merecem o céu




O sangue atravessa minhas patas enquanto estou parada ao lado do meu corpo – completamente esmagado e impossível de identificar-me – morto embaixo do pneu dianteiro do carro. Os olhos azuis tão doces e tão vivos da criança ao lado da rua, choravam por mim, enquanto segurava a mão de sua mamãe bem apertado. Ah, garotinho de sorte, ter uma mãe para acalma-lo neste momento, não ser como eu, ter que ver a própria mãe ser morta à pancadas pelo cruel dono com sua foice, enquanto eu e meus irmãos tentávamos fugir das garras daquele monstro. Mas eles não tiveram a minha sorte. Que agora eu acho que não era bem... sorte.
Passei por baixo da cerca, raspando as minhas costas na madeira e minha barriga se enchendo de terra úmida. Sentei-me na calçada, para recuperar o fôlego e decidir para onde eu iria, pensei em seguir um rumo indeterminado, mas seria agir por impulso, coisa que eu evito fazer. Alguém me observava, eu podia sentir. Dei uma olhada ao meu redor, para achar o dono daquele sentimento tão intenso, e pude vê-lo, no outro lado da rua. Eu poderia talvez até ouvir os batimentos de seu delicado coração. Um garotinho de olhos azuis me esperava de braços abertos, com amor fluindo por sua respiração. Eu não pensaria duas vezes para correr até ele, e ter uma vida feliz, como sempre desejei. Mas não passei dos três passos. Ouvi a freiada brusca e senti uma dor intensa, porém passou muito rápido.
Agora estou aqui, ainda sem rumo, observando o garoto debulhar-se em lágrimas ao lado do meu corpo deformado – esmagado.
— Venha Jeff – uma voz vinda do céu disse com uma voz decidida. Então senti minha alma ser levada pelo vento, cada vez mais para cima.