quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Todos os cães merecem o céu




O sangue atravessa minhas patas enquanto estou parada ao lado do meu corpo – completamente esmagado e impossível de identificar-me – morto embaixo do pneu dianteiro do carro. Os olhos azuis tão doces e tão vivos da criança ao lado da rua, choravam por mim, enquanto segurava a mão de sua mamãe bem apertado. Ah, garotinho de sorte, ter uma mãe para acalma-lo neste momento, não ser como eu, ter que ver a própria mãe ser morta à pancadas pelo cruel dono com sua foice, enquanto eu e meus irmãos tentávamos fugir das garras daquele monstro. Mas eles não tiveram a minha sorte. Que agora eu acho que não era bem... sorte.
Passei por baixo da cerca, raspando as minhas costas na madeira e minha barriga se enchendo de terra úmida. Sentei-me na calçada, para recuperar o fôlego e decidir para onde eu iria, pensei em seguir um rumo indeterminado, mas seria agir por impulso, coisa que eu evito fazer. Alguém me observava, eu podia sentir. Dei uma olhada ao meu redor, para achar o dono daquele sentimento tão intenso, e pude vê-lo, no outro lado da rua. Eu poderia talvez até ouvir os batimentos de seu delicado coração. Um garotinho de olhos azuis me esperava de braços abertos, com amor fluindo por sua respiração. Eu não pensaria duas vezes para correr até ele, e ter uma vida feliz, como sempre desejei. Mas não passei dos três passos. Ouvi a freiada brusca e senti uma dor intensa, porém passou muito rápido.
Agora estou aqui, ainda sem rumo, observando o garoto debulhar-se em lágrimas ao lado do meu corpo deformado – esmagado.
— Venha Jeff – uma voz vinda do céu disse com uma voz decidida. Então senti minha alma ser levada pelo vento, cada vez mais para cima.

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