sábado, 16 de abril de 2011

Fome

Eu podia sentir seus dentes penetrando cada vez mais fundo em meu pescoço, sugando meu sangue. Eu sentia suas mãos geladas, sem vida, segurando minha cintura, e era isso o que me mantia em pé, pois minhas forças estavam indo embora junto com meu sangue. Uma ardência começava a me incomodar, por todo meu corpo, e um desejo insaciável de morte tomou conta de mim. Até tudo escurecer. Tudo estava calmo demais, silencioso demais. Algo estava muito estranho ali. Será que eu tinha morrido? De repente a ardência voltou com muito mais intensidade do que antes, trazendo a dor consigo. Minha garganta queimava, anseava por algo que eu não sabia o que era. Não sei por quanto tempo eu fiquei assim, mas chegou um momento em que tudo cessou. Pude ouvir uma movimentação a minha volta e eu fiquei em dúvida se arriscava abrir os olhos ou continuava em minha paz mental. Achei a segunda opção muito egoísta, então resolvi abrir os olhos. Meu estômago roncou alto, implorando por comida... Não, não era comida o que ele queria. Ele queria sangue. Mas fui mantida no lugar por dois pares de olhos profundos, que me encaravam e por uma voz aveludada pela qual eu viveria a eternidade.
— Bem-vinda a sua nova vida.

Primavera rasgada





A revoada de pássaros negros tapou os raios do sol por alguns instantes, formando uma extensa sombra sobre o campo florido, onde as marcas deixadas na grama amassada traziam à tona as lembranças de um passado recente. Um gato malhado ainda brincava por ali, perseguindo graciosamente uma borboleta azul aniz, mesmo sabendo que não alcançaria com suas patas tão curtas, ainda assim continuava exibindo sua bela pelagem. O som da natureza invadia o ar sem pedir permissão, as conversas dos animais se misturavam entre a relva, cigarras, sapos, grilos e talvez até leões. A brisa quente de primavera chegou de repente, balançando as folhas, sacudindo os galhos, revelando segredos. Algumas pétalas se soltaram e foram em direção ao gato, fazendo-o parar para comtemplar toda aquela beleza. Mas seus olhos verdes não enxergaram somente as pétalas, tampouco seu olfato não sentiu apenas o doce aroma das flores... havia algo a mais. A brisa trouxe com ela quatro pedaços de papel, que tocaram o solo lentamente, assim que o vento se despediu com um beijo no rosto. Eles pousaram na posição certa, formando o que antes costumava ser, antes de ser rasgada. Uma história rasgada, uma vida rasgada, um amor rasgado. Uma fotografia rasgada e manchada com sangue.