quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Um amor desperdiçado, uma alma sedutora e um abraço da morte.





Um casamento conturbado pela perda de um filho recém-nascido, uma esposa em depressão e um marido necessitado de uma atenção que ele não recebe. Isto faz com que Odorico busque algo a mais fora de seu relacionamento, após descobrir os encantadores olhos negros de Olga que o seduziu no momento e que compartilharam a primeira taça de vinho na festa da cidade, enquanto Madelaine vivia em um mundo de sonhos – e pesadelos.
Ø  Capítulo 01
Madelaine encontra-se deitada de camisola em sua cama, com os cabelos desgrenhados e o canto dos olhos sujos. Enquanto o odor de sua falta de banho impregnava o quarto, ela sonhava com seu filho. Ele vinha em sua direção e sorria para ela, de uma maneira que a fazia sentir-se novamente viva. De mãos dadas, caminharam em silencio por um bom tempo pelo campo, até finalmente sentarem-se sobre uma pedra e ele sussurrar-lhe em seu ouvido:
— Continue firme mamãe, levante-se e ame a si mesma e a teu marido. Ame antes que tudo o que reste seja o amor desperdiçado. Ame antes que não seja mais possível amar.
        Madelaine abriu os olhos, decidida a mudar sua visão do mundo, antes que fosse tarde demais. Já tinha perdido muito tempo, e além do tempo tinha perdido muito amor que ignorava. Saiu da cama e foi direto para o banheiro, dar uma ducha em sua vida, limpar toda a sujeira acumulada em sua alma. Lembrava-se vagamente de que seu marido iria a algum lugar hoje, porém não sabia onde. Ao chegar na cozinha, percebeu o panfleto que anunciava a festa da cidade. Era para lá que seu caminho estava traçado, em busca de sua antiga vida de volta.

Ø  Capítulo 02
        Como que de uma maneira incontrolável, as mãos de Odorico encontravam-se em volta das cinturas de Olga, aquela linda mulher que lhe olhava de uma maneira onde perdia-se em tentação. Era naqueles lábios que encontrava sua tão desejada atenção, o amor que tinha perdido há tanto tempo. Ao som da música distante, atrás de algumas árvores que ficavam ao redor do estacionamento, os dois trocavam carícias, sedentos por um carinho e atenção que choravam por sua falta.
        Madelaine dirigia seu Caravan 77, coberto pelo pó que ali pousava sobre o tempo em que tornou-se inutilizado. Ao chegar na entrada do estacionamento percebeu o carro de seu marido, um Maverick  76 preto parado próximo a algumas árvores mais distanciadas. Estacionou seu carro ao lado do dele, e após trancar o carro, percebeu vozes e uma movimentação estranha logo atrás das árvores. Curiosa como sempre fora, decidira verificar o que estava acontecendo ali. Ao passar por entre os troncos já meio velhos, reconheceu os cabelos castanhos de seu querido marido imediatamente. Porém ele não estava sozinho. Estava envolto a uma loira de olhos mais negros que o céu da noite.

Ø  Capítulo 03               
       
Acobertada pela folhagem, a presença de Madelaine não fora percebida pelos dois amantes, que no momento tinham sua atenção voltada apenas um para o outro, sem perceber nada que estivesse ocorrendo em seu redor, podendo o mundo acabar e os dois morrerem aos beijos e abraços. A esposa dominada pelo ódio de ser traída, recordava-se muito bem de que seu marido guardava um calibre 38 embaixo do banco do passageiro em seu automóvel. Com os mais cuidadosos movimentos, dirigiu-se até o carro de seu esposo, para que não despertasse a suspeita de ninguém, e com esperança de que estivesse destrancado, puxou o trinco com calma. E para a sua sorte, Odorico tinha uma memória horrível, e desde os tempos de namoro vivia deixando o carro sem trancar. Não sabia como nunca tivera o veículo roubado.     
        Como de costume, o revólver estava o mesmo local de sempre. Retirou-o com cuidado, verificou a munição e escondeu-o na bolsa. Porém, junto com a arma, havia um pequeno frasco com um líquido dentro – na etiqueta dizia que era Clorofórmio. Madelaine sabia muito bem para quê servia, alguns anos trabalhando como enfermeira serviu-lhe para ter alguns bons conhecimentos.            
        Entrou em seu Caravan e retornou para casa. Recostou-se em uma poltrona meio mofada pelo tempo e ali aguardou o retorno de seu marido.              

Ø  Capítulo 04               
       
Odorico abriu a porta e surpreendeu-se ao ver sua mulher fora da cama.          
        — Madelaine! Finalmente decidiu sair da cama!!           
        — Percebi o quanto eu estava perdendo, ficando apenas em meu mundo. Inclusive perdi várias coisas já, e uma delas é você.  
        — Querida, não diga isto, sempre estarei contigo. – Um abraço surgiu entre os dois.
        Em uma das mãos de Madelaine ela segurava firmemente um pedaço de pano, molhado com o clorofórmio encontrado no Maverick. Neste abraço da morte, Madelaine colocou o pano no rosto do marido, fazendo com que ele caísse quase imediatamente.
        A calma com que Madelaine manipulava a faca de cortar carnes, já um pouco enferrujada era impressionante. Teve um pouco de dificuldades para tornar-se viúva, pois a faca já não cortava a carne com tanta facilidade. Porém, mesmo de modo dificultoso, conseguiu perfurar a garganta de seu amado. Amado que tinha abandonado seu amor. E que agora abandonaria sua vida.    
        Após tirar-lhe o brilho da vida de seus olhos azuis, arrastou-o até o quintal no fundo de sua casa, onde o muro era alto o suficiente para que ninguém desconfiasse de nada. Ali cavou por 2 dias, até o buraco ter uma profundidade suficiente que não deixasse a alma de seu falecido escapar. 

        Odorico foi dado como desaparecido após a festa, sua esposa não sabia de nada, pois era uma pobre doente e não saía mais de sua cama. Filhos não tinha – o único que tivera morrera quando tinha apenas 5 meses de vida, vítima de uma forte tuberculose.   
        Um amor desperdiçado, uma alma sedutora e um abraço da morte.